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Maternidade atípica: conheça a história de luta e doação de "Mães Especiais"

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No dia das mães, o BNews celebra a força de mães que lidam com TEA  |   Bnews - Divulgação Shutterstock

Publicado em 12/05/2024, às 14h30   Melissa Lima



Joana Cerqueira percebeu desde os 7 meses que seu filho, Marcelo, tinha atrasos no desenvolvimento. Mesmo assim, não foi fácil encarar essa realidade, que ela não dividia nem com o marido. Foi só depois da criança completar um ano que o assunto veio à tona, e Joana descobriu que o companheiro vivia o mesmo dilema. 

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Convivendo com a descrença da família e até da pediatra de Marcelo, que chegou a chamá-la de paranoica, Joana teve que reunir forças para a primeira batalha como mãe atípica: a busca pelo diagnóstico do Transtorno do Espectro Autista, que veio após uma consulta com um neuro.

"O diagnóstico foi um misto de medo e alívio. Medo do que iríamos enfrentar e alívio por estarmos certos e sabermos que a partir dali poderíamos buscar o melhor para nosso filho. Mudamos a nossa vida em 360 graus", disse ela, em conversa com o BNews. 

O temor diante do que poderia enfrentar se confirmou em pouco tempo: os pais de Marcelo precisaram entrar na justiça para determinar que o plano de saúde garantisse o tratamento adequado. E até hoje, esse é um impasse não resolvido.

"Mesmo com a liminar, o Planserv não paga o tratamento, e eu tenho que ficar recorrendo à justiça de novo pra bloquear a conta do estado. Agora a juiza acabou de bloquear quatro meses, que já estava atrasado, só que os processos são lentos e quando eu recebi, já estava devendo na clínica. Não fiquei com nenhum mês pra pagar futuramente, então já vou ter que entrar com um novo recurso", contou Joana. 

Joana e Marcelo
Joana Cerqueira e Marcelo, de 7 anos

Fernanda Alves, de 39 anos, também encontrou muitas dificuldades para fechar o diagnóstico de Otávio Miguel, há quase 18 anos atrás. "Não existiam muitos especialistas como hoje, acesso a um bom pediatra era muito caro. Tivemos que recorrer ao sistema de saúde público", contou.

A resposta para ela só veio mais de dois anos depois. A partir daí, tudo mudou. "Fomos nos adaptado ao nosso filho e aos desafios que um diagnóstico de TEA traz. Fomos deixando de ir para locais. Adaptado nosso horários aos da terapia", relatou Fernanda.

Na maternidade atípica, como é chamada a maternidade que envolve filhos com alguma deficiência, grande parte das mulheres precisam reformular suas rotinas para cuidar dos filhos, enquanto lidam com seus próprios medos e preocupações. 

Neste Dia das Mães, o BNews conversou com essas duas mulheres que relataram como é viver uma maternidade atípica, sem romantizar essa realidade. Elas são mães de pessoas autistas, com diferentes vivências e alguns pontos em comum.

Uma das questões que une essas duas personagens é a renúncia, que toda mãe atípica enfrenta. "Ficamos pelo menos os 4 primeiros anos 100% focados nas terapias. Deixamos de sair, de viajar, mudou a nossa vida como família e casal, o casamento quase acabou", contou Joana. 

"Fomos abrindo mão de viagens muito longas e fomos adiando alguns sonhos para que nosso filho tenha o máximo de qualidade de vida e autonomia [...] por muitos anos isso não foi possível (trabalhar e ter tempo para atividades pessoais)", acrescentou Fernanda.

Outra dificuldade que vem atrelada à vivência dessas mães é como a sociedade, em geral, lida com seus filhos. O preconceito, a discriminação, e até a neglicência do poder público tornam essa realidade ainda mais desgastante. 

"O maior desafio de cuidar de uma criança com TEA é a falta de uma rede de apoio.
Não apenas da família, mas de suporte do Estado, que precisa garantir, além do diagnóstico, terapia, suporte psicológico às famílias e, principalmente, acesso a educação e suporte pedagógico. Muitas vezes você se sente tão sozinha e cansada pelo volume de coisas que esquece de você", desabafou Fernanda. 

Fernanda e Otávio
Fernanda Alves e seu filho Otávio Miguel, de 18 anos

"As coisas que acontecem de ter que brigar na justiça pelos direitos do seu filho, ter que brigar em fila de supermercado, em estacionamento, porque as pessoas não respeitam. Isso é o mais desgastante da maternidade atípica", contou Joana.

"O despreparo da sociedade em entender e aceitar que meu filho tem direitos que nenhuma mãe queria ter. Eu abriria a mão dos direitos do meu filho tranquilamente para ele ser uma criança típica e não precisar ter esses direitos", completou.

A boa notícia é que apesar dos desafios, com o tempo e o tratamento adequados a vida de pessoas com TEA pode ser bem mais fácil - respeitando, obviamente, as diferenças entre os níveis de suporte dentro do espectro.

Hoje com 18 anos, Otávio Miguel, filho de Fernanda, está concluindo o ensino médio e vivendo uma nova etapa.

"Hoje alguns desafios já foram vencidos, agora ele está entrando na vida adulta e novas etapas surgem. Hoje eu consigo estudar, fazer atividade física e até trabalhar de forma independente. Claro, tudo sempre adaptando meu horários aos dele e com uma ajuda muito grande do meu esposo", contou a mãe.

"Hoje, depois de quase 7 anos de liminar judicial e terapias, consigo sonhar com um futuro tranquilo para o meu filho. Ele é a prova viva de que autistas precisam de tratamento adequado para evoluir", acrescentou Joana. 

A todo o momento, Joana e Fernanda salientam a importância de uma rede de apoio para criar seus filhos. Sejam companheiros, membros da família ou amigos, mães atípicas precisa dividir a responsabilidade, e essa não é a realidade de todas. 

De toda forma, não há outro jeito de nomear essas mulheres se não "Mães Especiais". Marcelo, Otávio Miguel e tantas outras pessoas dentro do espectro autista dependem do suporte dessas mulheres que, incansavelmente, dedicam suas vidas pelos filhos.

A mensagem que fica, além da admiração pela doação dessas mães, é de esperança por melhores oportunidades e uma vida digna para todas as pessoas neuroatípicas.

"Hoje, quando penso no momento em que eu não estiver mais aqui neste plano, consigo ter tranquilidade. Infelizmente essa realidade ainda não é para todas as famílias, mas um dia chegaremos lá e todas as pessoas com deficiência terão tratamento e dignidade neste país!", concluiu Joana.

Para finalizar a conversa, Fernanda deixou um recado para todas as mães atípicas nunca esquecerem que estão fazendo o seu melhor:

"Por mais dificil que seja, é importante lembrar: MÃES fazem o que for necessário pelos seus filhos. Você estão indo muito bem!".

Classificação Indicativa: Livre

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